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              A Morte dos Nagôs.

Por se tratar de uma abordagem relativamente extensa e por adentrarmos em vários, embora relacionados pontos, dividimos este documento em“partes” e as numeramos.

Parte I

“Roger Bastide só pode tornar-se uma autoridade nos estudos de candomblé porque passou pelo encantamento. Pierre Verger passou pelo encantamento. Estrangeiros que para compreender esse mundo tiveram que tomar a forma cultural do grupo estudado, aí então, converteram-se. Talvez seja isso que  Juana Elbein dos Santos, Marco Aurélio Luz, dentre outros, defendam que a pesquisa deva acontecer “desde dentro”. R. Prandi.

“A religião nem sempre foi feliz quando estudada por observadores de fora de seu meio. Carneiro, Bastide e, sobretudo, Verger, para citarmos os participantes de um determinado período, executam bem suas obras, graças a uma participação nas comunidades onde foram iniciados ou que, pelo menos, tiveram um acesso franco e aberto.” José Beniste.


Estas colocações de Prandi e de Beniste esboçam perfeitamente o pretendido por este artigo, que tem como um de seus objetivos abordar a produção teórica erudita e a formação do campo do saber acadêmico, assim com alguns dos idealizadores da construção de uma teologia das religiões afro-brasileiras, mais precisamente o culto nagô, conhecido e denominado candomblé Keto.

Em outras palavras, refiro-me a maneira com que os acadêmicos-iniciados nas religiões afro-brasileiras, com o passar dos tempos vem se transformando, por força de suas teses, e pelo anseio dos adeptos do culto ao orixá no Brasil, em justificar, mais do que compreender seus mitos e ritos, nos teólogos e porta vozes dos sacerdotes destas religiões. Desta forma, as obras literárias ligadas a religião afro-brasileira, tendem a tomar o formato de "bíblia', guias normativos de praticas ritualísticas. Publicações que regionalizam o saber, formam conceitos de legitimidade africana, direcionando os holofotes das pesquisas acadêmicas para os terreiros autodenominados tradicionais.

O tema (hoje) vem tomando forma e volume nos meios eruditos e fora deles. Hoje já se pode encontrar alguns parágrafos e até trabalhos bastante longânimes  a seu respeito.
Destes trabalhos que se proporem a adentrar este labirinto, uns se demonstram preocupados em desconstruir alguns destes conceitos, em particular o de pureza africana, como é o caso da obra de Stefanea C. Outros trabalhos por sua vez abordam diretamente a influencia do antropólogo nestas comunidades e seus desdobramentos, neste sentido é que Vagner G. das Silva construiu seu livro "O Antropólogo e sua Magia". E outros, neste caso Fernando Brumana, preocupa-se em questionar a verdadeira contribuição e influencia que determinados autores tiveram na realidade atual dos cultos afro-brasileiros bem como e as relações de poder e prestigio que este domínio do saber desencadeia. Poucos são os que se atem a investigar a veracidade das informações fornecidas por estes autores, geralmente ligados à academia, e que para os adeptos destes cultos é o que realmente deveria importar. Até onde as informações a cerca da teologia e filosofia destas tradições, espelha o que muitas destas obras apontam como tendo origens em solo africano. Embora adentremos esta relação academia-teologia, é na filosofia religiosa dos nagôs iorubas e seus pressupostos teológicos é que pretendemos concentrar este trabalho. Não como a pretensão de esgotar campo tão vasto, apenas objetivando lançar alguma luz sobre valores e conjecturas tidas por grande parte dos adeptos do culto ao orixá no Brasil como conceitos oriundos da mitologia sacra yorùbá, mas ao lançar um olhar mais atento e amplo sobre eles, se demonstram inconsistentes, ou no mínimo carentes de maiores explicações. 

Terminologias yorùbá.

Não pretendemos adentrar a fonética ioruba, como tradicionalmente fazem os escritores brasileiros, abordando seus tons, alto, Ámìn òkè, baixo, Ámìn ìsàlè e neutro, Ámìn àárín. Esta pratica pouco, ou em nada auxilia a leitura daqueles que não estão familiarizados com a língua yorùbá. Por mais que se aponte para o fato de que o candomblé faz uso desta língua em seus ritos, raramente os praticantes o fazem usando esta variação de tons nas palavras, visando com isto diferencia-las e evitando com esta pratica mal intendidos, até mesmo porque, pouquíssimos brasileiros saberiam identifica-los. Este mito do yoruba falado nos candomblés é relatado assim por Pessoa de Castro:

“Essa suposta ‘lingua-nago’ falada entre os candomblés não passa de uma terminologia operacional, específica das cerimonias religiosas e rituais [...], e apoiada em um sistema lexial de diferentes línguas africanas que foram faladas no Brasil durante a escrevidão”.(Yeda Pessoa de Castro 1981:65).

A palavra Yemoja, por exemplo, dificilmente deixará de ser pronunciada nos xires como, Iemanjá.
Quantos seriam capazes de pronunciar diferentemente os tons destes alomorfes:

Oko, okó, okó, òkó e oko.

E, por mais que alguém o saiba isto não restara suficiente, porquanto deve este saber também os seus diferentes significados.

 Isto será extremamente relevante quando da recitação de um adura (oração) ou um oriki, por exemplo, o de Xangô, onde encontramos:

“Sàngó ò ọkọ Ọyá”.
Xangô esposo de Óia

Não raramente se pronuncia:
Xango ócó Oia, que equivaleria a: "Xango esposo do pente".

A Coisa tende a piorar se for pronunciado:
 "Xangô oco Óia" - "Xangô pênis de Óia".

"Neste estado das coisas, um ponto precisando de atenção urgentíssima é a questão linguística. Acreditamos que esta não hora de acabarmos de vez com a ventriloquia que tem caracterizado o emprego da palavra iorubana no Novo Mundo. A linguagem dos ioruba-falantes do continente africano está evoluindo cada dia mais para o futuro, enquanto que a linguagem dos iorubáfilos nas diásporas latino-americanas está sumindo cada vez mais no passado". Ayoh'omidire 2003.

Levando em consideração que este quadro tem vagarosamente mudado, ainda temos mais de 98% dos ogãns e sacerdotes do candomblé não dominam ou sequer tem uma noção básica do yorùbá. Isto faz com que repitam o que ouviram de seus sacerdotes, ou tentam chegar mais perto do que lhe foi passado, quando não, arriscasse reproduzir o que foi gravado durante um xire na casa do pai "fulano”.
Penso que, cantar em uma língua que não é a sua língua nativa, ou que não se domina, só faz compor um personagem, é como usar um figurino, ou uma máscara.

Um exemplo desta "vemtriloquia" a que se referiu Felix pode ser visto na rede (Youtube), em um programa de televisão que foi ao ar em 2010, onde a apresentadora do programa faz uma matéria no interior de um terreiro de candomblé.
Por ocasião do carnaval a repórter fez a matéria com o grupo responsável pelo Afoxé.

"O Plug esta acompanhando um dos ensaios aqui do bloco de carnaval afoxé, eles abrem o carnaval das escolas de samba aqui de Curitiba, eles são os responsáveis pela limpeza da avenida, até agora não entendi o que é isto, mas a gente "já já" vai explicar, eles estão cantando: "Afoxé lonim”? Eu também vou saber oque que é".

Depois das explicações a respeito do que seria a limpeza a que se referiu a repórter, entre outros "esclarecimentos", a repórter faz a seguinte pergunta:

"Esta música que vocês estavam cantando agora, que música que é?".

A pessoa que foi identificada pela reportagem como “intérprete de cantigas" posteriormente a declamar a cantiga em "ioruba", responde.

“Cantiga:

 Afoxé é lonin, lonin.
 Afoxé lonin o
 Eee Ólorun malé ixe

A festa começou (o carnaval de rua)
A festa começou
Que Deus abençoe a todos os participantes (todo mundo que esta curtindo o carnaval).

A frase:
"Afoxé é lonin, lonin", pode até ser interpretada como: "A festa começou".
O termo "oni-oloni (-oni-hoje), adv. o dia de hoje”. Todavia, um ioruba dificilmente compreenderia a palavra Afoṣẹ por festa.

A que se pese o inicio da cantiga possa dar sentido à tradução do “interprete de cantigas”, o mais dificil é relacionar a segunda parte da cantiga à primeira.

Ólórun malé ixe: “que Deus abençoe a todos”.
Não sabe-se onde o “interprete”foi encontrar base na lingua yorùbá , para tal tradução.

A palavra Olorun- Deus, pode perfeitamente ser encontrada e compreendida na cantiga, já o mesmo não ocorre com o termo “Malé”.

Em um primeiro momento poderiamos estar nos confrontando com uma regra de contração, o que é bastante comum em se tratando do idioma yorùbá.

Malé- pode ser traduzido por – Maometano – Muçulmano, algo que não faz sentido na cantiga, e se for visto por este ângulo, é bem possível que estaria se tratando de algo pejorativo, visto o confrontamento filosófico e religioso entre as distintas religiões.

No caso de uma contração, o que nos parece mais razoável, trata-se do termo Imalẹ ou Irunmọlẹ, aglutinação da frase irin owo omo Ilé, designando assim, o grupo de Orix´s (Divindades).  Para Sikiru King trata-se da contração da frase: ẹmọ-tí-mbẹ-n’ilé, significando, “seres superiores na terra”. King 2011.
Dizíamos ser mais razoável o termo estar ligado a irunmọlẹ - Divindade, do que Mulçumanos, pela presença da palavra Ixé, como pronunciou o "interprete".

O termo, ise (ixé), construido a partir da letra I, utilizada como um prefixo nominal, dando ao verbo radical para qual é prefixado, neste caso se (xe), o significado de uma ação ainda em andamento.
se (xe), v. a. fazer, agir executar, gerenciar.
Pela forçosa união dos termos encontramos o, ato de fazer, de executar, de gerenciar. E isto é um ato de Olorun para com os Orixás-Divindades, e não do Ala-Muçulmano.

Iṣẹ Ọlorun- obras, trabalhos de Deus. Yoruba Language – Rev. Samuel Crowther, 1852.

 

Olorun male ise - Deus criou-fez-gerencia.  Os mulçumanos, ou os Irunmólé - Orixás?
Faz-se óbvio que a frase faz referencia a criação das divindades como um trabalho executado por Olorun – Deus.
A que se pese tudo o que se foi analisado anteriormente, nas festividades realizadas às divindades em solo yorùbá é frequente ouvirmos a seguinte cantiga:

Ajodún irúnmole la mi se ò !

Estamos comemorando a (o) festa (festival) dos (das) orixás (divindades).

Não seria de se espantar, que um não yorùbá confunda o som da frase: Àjọdún Irúnmọlẹ la mi xe, por: Ólorun malé ixe, principalmente e fundamentalmente pela “oralidade” corrente nos terreiros.
E, independentemente de uma (mulçumano), quanto à outra (Irúnmọlẹ), for a correta, nada muda o fato de que a tradução fornecida pelo "interprete” não exprime o sentido da frase, assim como ela não se encaixa e não da sentido a primeira parte da cantiga:
"A festa vai começar, Que Deus abençoe a todos os participantes".

De toda a cantiga, o que é mais questionável é o termo afoxé.

"Um trabalho chamado Afoxé (Afòse), "que a palavra possa tornar-se realidade", é frequentemente pedido pelas pessoas aos babalaôs e curandeiros" Verger 1995.

Trata-se de um preparado magico geralmente colocado dentro de um chifre- iwo.
ÌWO ÀSE – ”Um chifre de animal aonde àse é guardado em sua forma concreta”. Wande Abimbola.
Já no Brasil; “O termo afoxé provém da língua iorubá. É composto por três termos: A- prefixo nominal; Fo significa dizer, pronunciar; Xé significa realizar-se. Segundo Antônio Risério, afoxé quer dizer o enunciado que faz acontecer”. Fonte Wikipédia.

R.C. Abraham em seu “Dictionary of Modern Yorùbá” apresenta a palavra Afọṣẹ com os seguintes significados:

1-Afosé, type of priest of Ifá.

Um tipo de sacerdote de Ifá.

 

2-Afosé (asé), type of charm causing harm to befall one’s enemy.
Tipo de encantamento que faz o dano acontecer a um inimigo.

3- Afòse (asé) fafosé, pe un o o lo wo lowo, by using a charm in a horn, he predicted that should become rich.
Encantamento usado em um chifre, que conforme foi predito o fará ficar rico.

Afo-se, s. Soothsaying- adivinhação- Samuel Crowther, 1852.

Muito embora as traduções oferecidas tanto por Abraham quanto Crowther, não sejam representações fidedignas e expressem exatamente o conceito yorùbá do termo, não caíram em erro quando a ligaram de forma ou outra aos termos “encantamento” “chifre” e “adivinhação-Ifá”.
A palavra é construída a partir da união de A- o, a, um, uma,  ofò – encantação – conjunto (jogo) de palavras que definem a ação esperada,  àse -  poder espiritual, o poder de fazer as coisas acontecerem.
Embora respeitemos os esforços do antropólogo Antônio Risério, o termo fo, que na verdade é fò, traduzido por ele como:  dizer, pronunciar é inadequado. Traduzir Afòse por – “o enunciado que faz acontecer” é uma tentativa de justificar a escolha do termo para uma “festa”, acontecimento, que anuncia o inicio do carnaval.
O termo do ponto de vista da cultura yorùbá, jamais seria compreendido fora do campo e do ponto de vista religioso, principalmente o de Ifá. Afòse designa- Aquele- Aquilo que da- impõe Axé, força espiritual, que permite às coisas acontecer, o ọfọ – conjunto ou jogo de palavras magicas.
Importante observar que um afoxé deve invariavelmente ser levado à boca, toca-lo com a língua, objetivando dar axé às palavras pronunciadas, dando-lhes “poder”.
Estas chamadas "releituras" de simbulos e terminologias tão cultuada principalmente pelos antropologos, pode explicar e justificar as adaptações sofridas a partir do original, todavia ,fazem definhar o codigo filosofico e  teologico que estes simbulos e termos carregam.
Outro exemplo é o  termo axé (asé), que carregado de significado religioso, tornasse sinbulo de um gênero  musical baiano, Axé Music. Por que motivo não encontramos por aí o gênero "Amém Music" ?
O uso frequente de palavras, e até mesmo frases utilizando a grafia iorubana em trabalhos, principalmente no campo da antropologia que aborda o candomblé, geralmente o fazem quando abordam as comunidades denominadas por eles, de tradicionais. Por traz desta "metodologia" esta a deliberada intenção reafirmar a origem africana destes terreiros, consequentemente revitalizando o conceito de pureza a eles atribuído. Um exemplo claro disto é a substituição da palavra roça por égbé.   

“... ainda empregada, embora cada vez menos, para indicar o espaço físico dos terreiros de candomblé; algumas pessoas ainda falam em Roça do Engenho Velho referindo-se ao Candomblé da Casa Branca”. O. Serra 2008.

De inicio,  para adentrarmos ao pretendido e demonstrar como é tratado um trabalho bibliográfico que não esteja enquadrado nos arquétipos de "guia pratico", ou que não se enquadre na linguagem das tradições afro-brasileiras, torna-se alvo de criticas tanto da academia quando dos sacerdotes ligados ao meio, abordaremos para tanto as colocações de Brumana em relação aos trabalhos de Verger.

“Os livros de Verger estão compostos de meros “fatos” sem orientação interpretativa alguma: não há uma metalinguagem, um hipertexto, uma glosa, como também não brinda contexto algum nem do trabalho de investigação realizado, nem dos elementos que deste pretende extrair.
Há documentos mudos, como em Flux et réflux, há relatos e cantigas sem emissor nem receptor como em Notas sobre o culto aos orixás e voduns, há receitas mágicas sem magos nem clientes, como em Ewé.16
Este último livro me parece um bom exemplo; começa com uma afirmação sugestiva: “Uma só planta talvez possa ser comparada à letra de uma palavra: sozinha não tem significação; associada a outras contribui para o significado da palavra”. Porém o veio semiológico se esgota aqui; a maior parte das 750 páginas do livro se dedica a uma transcrição de 447 fórmulas herborísticas das quais não temos ideia de quem as usa, com quem, em quais circunstâncias, como, onde, etc”. Fernando G. Brumana 2007. 


Como Sacerdote de Ifá me vejo particularmente tocado pelo comentário feito a este trabalho de Verger, pelo Professor de Antropologia Brumana, argentino, que pesquisa o campo religioso afro-brasileiro.
Primeiramente por ver neste livro o grande trabalho de Verger, no tocante a Ewé, folhas, indiretamente a Ifá.  Segundo, por ter ficado evidente que o professor não se deu ao trabalho de ler a obra de Verger com atenção que é merecida.
Coloquemos aqui algumas informações fornecidas pelo autor na obra mencionada por Fernando.
“Não fizemos experimentos para comprovar sua eficiência, mas temos certeza de que uma pesquisa sobre seus efeitos medicinais daria indicações úteis de seu valor farmacológico”. Não é esta a meta dessa publicação, que tem um enfoque etnológico e não médico. Aqui apontamos somente quais aso as plantas usadas na farmacopeia iorubá e para que tipo de trabalho medicinal (ou mágico) são empregadas. Suas virtudes e valor medicinal não são fáceis de descobrir, uma vez que raramente uma receita faz uso de apenas uma planta. Em geral, cada prescrição comporta de três a seis plantas diferentes. Uma só planta talvez possa ser comparada à letra de uma palavra: sozinha não tem significação; associada a outras contribui para o significado da palavra. [...] É também difícil traçar uma linha de demarcação entre os assim chamados conhecimentos científicos e pratica “mágica”. Isso ocorre devido à importância dada, em uma cultura tradicionalmente oral como a ioruba, à encantação, ọfọ, pronunciada no momento de preparação ou aplicação das diversas receitas medicinais, oogun.
Se para a medicina ocidental o conhecimento do nome cientifico das plantas usadas e suas características é o principal, em sociedade tradicionais o conhecimento dos ọfọ, encantações transmitidas oralmente, é o que é essencial [...] Como dissemos antes, deixaremos aos especialistas o estudo da validade de nossas suposições, ficando nossa parte restrita à enumeração das folhas usadas pelos babalaôs e curandeiros..”. Verger pág. 22/23/24. 
Além de esperar algo de um trabalho, do qual o próprio autor afirma não se propõe a tal, embora o trabalho adentre o tema, o professor faz indagações respondidas pelo trabalho inúmeras vezes, mesmo que nas entrelinhas, coisa que, de um antropólogo, não era de se esperar não serem vistas.
Quem as usa?
- “O presente livro é um extrato do que meus mestres e confrades babalaôs tiveram a boa vontade de me ensinar durante os numerosos anos em que vivi na África [...] O estudo foi feito principalmente entre babalaôs, que na comunidade ioruba fazem a adivinhação segundo um sistema denominado Ifá [...] ficando nossa parte restrita à enumeração das folhas usadas pelos babalaôs e curandeiros...” pág. 17/19/25.   
  
Com quem?
- "principalmente entre babalaôs, que na comunidade ioruba fazem a adivinhação [...] O babalaô costuma ser chamado a ajudar as pessoas a realizar seus desejos terrenos...”. pág. 19/87.
Em quais circunstâncias?
- “Todas as receitas e trabalhos mágicos feitos com plantas são classificadas pelo babalaô em 256 signos (odus) de Ifá... Dessa maneira o babalaô tem maior facilidade para encontrar o simbolismo e o contexto das historias (itans) e remédios classificados naquele odu [...] Consultado, Ifá prescreve uma oferenda de um caranguejo, um rato, e folhas de alugbirin... pág. 46 e 52.
Com o conjunto de informações contidas nas paginas do livro de Verger, fica simples estabelecer as resposta para as indagações feitas pelo professor.
As “formulas herboristicas”, são usadas pelos babalaôs e onixeguns (chamados de curandeiros por Verger), na comunidade ioruba por pessoas que os procuram pelas mais diversas circunstancias, principalmente durante uma divinação oracular de Ifá, ou indicada por ele através dos Itan (historias) Odu Ifá.
Como? 
Todas as “receitas” possuem formulas, com seus devidos ingredientes assim como os procedimentos, além da indicação do Odu sob qual cada uma das 447 receitas se classifica.
Não vejo a necessidade de adentrarmos no “onde”, e no “etc” mencionado pelo antropólogo, até mesmo porque, para certos campos da academia, assim como para alguns religiosos, um livro do calibre de Ewé, não proporciona o efeito desejado. A obra do mestre mão se enquadra nos padrões de manual de praticas litúrgicas, de como, com o que, quando e por que. Há aqueles que ficaram frustrados, talvez porque o trabalho de Verger não venho com o manual em português, não venha junto com aquele Cd que tem a imagens de todas as folhas e os ofós, gravados na língua nativa e traduzidos, etc.
Para finalizar, a abordagem do antropólogo, e adentrarmos as dos sacerdotes, quero pontuar em especifico uma das inúmeras desconstruções do Professor relativa ao trabalho Ewé:
“há receitas mágicas sem magos nem clientes, como em Ewé”.
Como acadêmico, não pretendo nem me sinto apto a esclarecer alguns pontos deste trabalho de Verger, já como sacerdote de Ifá, peço a vênia para fazê-lo.
Quanto aos “magos”,  eles sempre estiveram  sempre, na figura dos odu Ifá, assim como a dos mestres (babalaôs) espelhados em Fatumbi Verger. 
A não presença de um interlocutor, no caso um consulente, “cliente” como prefere o professor, não se faz necessário para que um Awo kekere, até mesmo um babalaô, tenha que aprender tanto os Itan quanto os preparados mágicos, “formulas herboristicas”, para usar o termo do acadêmico. Pois, como bem mencionou Fatumbi no prefácio da referida obra:
“... porque tomar conhecimento do uso das plantas para a preparação de receitas, remédios e “trabalhos” tradicionais constituíram para mim [babalaô] não somente um direito, mas uma obrigação”. Fatumbi Verger, pág. 16. 
O objetivo aqui não é o de ser o advogado de Verger, até porque não fui nominado para tal, e pelo fato de que o Mestre fala por si com suas obras.
As colocações de Verger vão reverberar e amplificar-se para alcançar outros “olhos” ofuscados pelas Biribiri.  O livro Ewé de Fatumbi causou as mais diversas reações, tanto no campo da academia como pode se notar nas palavras de Fernando, quanto no meio eclesiástico.
Para espelhar este ultimo um trabalho bastante interessante, não pelo conteúdo, mas pela inconsistência, é o feito pela sacerdotisa Sandra Fernandes Costa Medeiros (Sandra Epega) em, “Awon Ewé njé Folhas Funcionam”, publicado na Revista USP 1996.
A Iyalorisa inicia seu trabalho declamando os mais belos elogios a Verger para logo começar seu camuflado ataque. Para a autora, Ewé nada mais é do que:


uma sofisticada edição afro-brasileira do Livro de São Cipriano”.

Bàbáláwo, Pai do Segredo, Sacerdote Ifá, Intérprete do Oráculo Sagrado dos Yorùbá. Mestre de incontáveis discípulos, fotógrafo, escritor, pesquisador, deixa livros, ensaios, artigos, todo um mar de sabedoria e pesquisa, que em seus 93 anos de vida não conseguiu atravessar. Em 1995, alguns anos e alguns livros e artigos depois (Fluxo e refluxo, Iya mi àjé). volta Verger a nos brindar com EwéO Uso das Plantas na Sociedade Iorubá. E, antes de podermos absorver o livro, curtir a publicação, aprender o ensinamento, eis que embarca para o Orún o Fatumbi. Decerto para tirar algumas dúvidas com Òrúnmìlá e com Osanyin.
Oh! Fatumbi, vá e volte... Volte para ter família e deixar descendência, volte para ser feliz e realizar. Oju Oba. Vá e volte! Está o povo órfão, sem maiores explicações para seu último presente, o livro Ewé”. Não surge esta inquietação por julgarmos que Rei morto, Rei posto! São as dúvidas, são as perguntas, são as ansiedades, que sua morte logo após o lançamento de Ewé deixam nos seus discípulos abandonados, em todo o povo Yorùbá –. Nos perguntamos depois de ler as 762 páginas e mais as capas, contra-capas e orelhas, e de uma assentada só: A quem foi dirigido o livro? Qual seu público alvo? Botânicos? Sociólogos, antropólogos, Etnólogos, doutores, professores, pesquisadores? O próprio autor situa sua obra no campo sacro, quando relata, na página 16, ainda no prefácio... Então surge uma dúvida maior: Fatumbi escreveu Ewé como Bàbáláwo? Sim! Um Bàbáláwo é um sacerdote Ifá 24 horas por dia.... Tudo que faz tudo que ensina, tudo que fala, é um reflexo do Òrúnmìlá que existe nele.

O questionamento feito por Epega, em relação a qual o publico alvo Verger teria direcionado seu ultimo trabalho, era só o preambulo aos que ela realmente queria fazer, e automaticamente poder discursar sobre as supostas “falhas” cometidas por Verger, ou melhor, por Fatumbi, pois era na pessoa do babalaô que ela concentraria suas criticas.

"Porém, como Bàbáláwo, caberia, também, a ele ensinar que Òrúnmìlá envia um Odú durante uma consulta, [...]. Toda consulta Ifá pressupõe um Ebó Etutu e o uso de oògùn ou de outros tipos de Ebo. Nada pode faltar no Ebo, elemento algum, folha alguma, ọfọ nenhum pode deixar de ser dito ou utilizado no oògún. O Ebo, pode ser feito, às vezes pela própria pessoa, mas oògún enviado por Ifá é prerrogativa de Oluwo ou Bàbáláwo, que saberão utilizar o ọfọ corretamente, e então desencadear a magia que fará o oògún funcionar. O mesmo se aplica ao remédio. Remédio que não tem a folha certa e a palavra certa não funciona. É preocupante verificar que houve esta falta de explicação em um livro que traz ensinamentos de Ifá. Sem este acréscimo, Ewé poderá ser considerado uma sofisticada edição afro-brasileira do Livro de São Cipriano – e, o que é pior, mais perigoso!"

O que realmente preocupa, é o discurso de Iyalorisa que expõe toda sua frustação com o trabalho de Verger. Na realidade veremos que sua frustação não estava na “falta de explicações” relativas aos ensinamentos de Ifá.  Estava sim na ausência de informações concernentes as nomenclaturas “populares” das plantas assim como a identificação de alguns elementos contidos nos preparados mágicos. Ela faz parecer que o trabalho não apresentava todos os Ofó relativos a cada preparado, que os “remédios” não continham as folhas e as “palavras” (ofó) certas.
Epega vai demostrar toda a sua preocupação em relação aso sacerdotes brasileiros (pais e mães-de santo) que por ventura adquirirem a publicação, mas que, por falta de alguns “elementos” estarão prejudicados e limitados na realização das “receitas”. A limitação já fora estabelecida pelo grau sacerdotal, e Epega tem este conhecimento, e demonstra-o quando afirma:

“O Ebo, pode ser feito, às vezes pela própria pessoa, mas oògún enviado por Ifá é prerrogativa de Oluwo ou Bàbáláwo, que saberão utilizar o ofo corretamente, e então desencadear a magia que fará o oògún funcionar".

Algo deve ser relembrado neste momento, o fato que como bem menciona o titulo do livro: “Ewé o Uso das Plantas Na Sociedade Yorùbá”, não trata de ensinamentos de Ifá, de: como se procede uma consulta, de como e onde se registra os “desenhos” (signos sagrados). Mesmo não se propondo a isto em sua publicação Verger fez todas as ligações dos preparos com os odu Ifá, assim como um breve resumo a cerca do sistema de divinação:

“O estudo foi feito principalmente (não completamente) entre os babalaôs, que na comunidade ioruba fazem adivinhação segundo um sistema denominado Ifá, baseado em 256 signos chamados odus, sob os quais estão classificados os remédios tradicionais e os “trabalhos” tratados na presente publicação.
Estes 256 odu Ifá são signos duplos derivados de dezesseis signos simples, que fazem par tanto consigo próprios para formar os dezesseis odu primários, quando com cada um dos outros dezesseis simples para formar os 240 secundários. ... Durante a preparação de uma formula, o babalawo estabelece uma ligação entre o remédio e o signo de Ifá, sendo este ultimo desenhado por ele no pó iyerosun.”.

Sandra Epega, incomodada com a publicação de Verger, chega ao ponto de sugerir irresponsabilidade do escritor para como o “poder” por ele adquirido na condição de babalaô, e para tanto evoca um proverbio, que ela remete aos yorùbá.

Os yorùbá gostam muito de falar por provérbios. Existe um que diz:
 Quem adquire mando e poder assume responsabilidades.

Dentro do poder do Bàbáláwo, sua responsabilidade é ensinar corretamente o sagrado.
Ou, explicar claramente que não é ensinamento, que não é para ser seguido ou feito.”

Aproveitando a esteira de Epega, pedimos licença aos “mais velhos”, que por ventura venham a ler este trabalho, para citarmos outro provérbio:

“O pior dos cegos, é aquele que não quer ver”.

Ver mais na parte II
Por T'ogun Aroleifa.