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                                                                            A MORTE DOS NAGÔS


Parte II.

A transmissão oral do conhecimento é considerada na tradição ioruba como veiculo do axé, o poder, a força das palavras, que permanece sem efeito em um texto escrito. O conhecimento transmitido oralmente tem o valor de uma iniciação pelo verbo atuante [...] O conhecimento é transmitido do babalaô ao omo awo, do mestre ao discípulo, através de sentenças curtas baseadas no ritmo da respiração.”
Não fizemos experimentos para comprovar sua eficiência, mas temos certeza de que uma pesquisa sobre seus efeitos medicinais daria indicações úteis de seu valor farmacológico. Não é esta a meta dessa publicação, que tem um enfoque etnológico e não médico.
Como dissemos antes, deixaremos aos especialistas o estudo da validade de nossas suposições, ficando nossa parte restrita à enumeração das folhas usadas pelos babalaôs e curandeiros e de dar alguns detalhes sobre a preparação dos vários ingredientes, assim como sobre os textos das encantações pronunciadas por eles durante esta tarefa.” Verger Pag. 20/22/25. Os grifos são nossos.

O que mais desejava Epega?  Que Verger publicasse sua obra com uma “tarja preta” na capa? Ou com aquele jargão tradicional dos experimentos perigosos: “Não tente fazer isto em sua casa”.  Além do mais, Fatumbi alertava:

“Não fizemos experimentos para comprovar sua eficiência [...] Mais a adiante veremos a importância do elemento melódico dos tons da língua ioruba nas sentenças magicas, onde assonâncias e aliteração tem um papel destacado”.

Verger sabia abismo que separa a oralidade do documento escrito, este ultimo, fixa um saber, faz com que algo escrito seja interpretado por alguém como literal, que não permite ouvir os tons, saber o ritmo, viver magia por traz da magia, que não permite a replica.

“Quando você tem um trabalho na mão, um asé pra usar, você tem que fazer isto exatamente como foi ensinado, se não, não vai dar certo, porque o principio de ação e reação só funciona quando você da tudo, todos os elementos e estão completos e também o intervalo tem que ser respeitado, por isto quando a gente usa, a palavra tem que ser pronunciado no ritmo exato, porque você esta chamando os poderes [...] muitas vezes as pessoas se queixam de que, olha, eu copiei este trabalho do meu avo, do meu pai, escrevi tudo direitinho e estou usando, mais não sabem quem quando você esta lendo é diferente de quando você esta pronunciando, então, a pronuncia te coloca em um estado espiritual que te deixa comunicar com aqueles poderes, que deixa atuar a força que você esta tentando desencadear. Felix 2007.

A demais, Sandra Epega faz um “raio x” do senário em que se encontram os sacerdotes de orixá no Brasil, assim como, os materiais bibliográficos são tidos como guias práticos para os sacerdotes, validados mais pelo nome do escritor do que pelo conjunto de informações que raramente são confrontadas.

“E por quê! Em um país como o Brasil, onde os sacerdotes do Ase estão ávidos de conhecimento, é de se pressupor que seguirão fielmente todo ensino que surgir principalmente vindo de um Bàbáláwo conceituado como Fatumbi. Ewé é um livro com várias faces. Podemos compará-lo a uma arma carregada. Nas mãos de um sacerdote competente, com sólida base de conhecimento do sagrado, será uma bênção de sabedoria e um acréscimo inestimável. Um presente de Ifá! Nas mãos do sacerdote típico brasileiro, que conhece ligeiramente o Ifá, sem contudo entendê-lo, sem temer ofendê-lo por falta de competência sacerdotal, torna-se arriscado. É uma faca de dois gumes. Eventualmente ele pode acertar, e mais certamente irá errar. Quantos brasileiros conhecem os riscos dos Odú de Ifá” ?


A filha adotiva do falecido babalaô...Epega, segue a apresentar suas criticas a obra de ver, e a ele por consequência:

“Queremos tão-somente lamentar que um livro deste porte, com este potencial maravilhoso, que traz muito do que Ifá fala sobre plantas, tenha vácuos tão grandes, falhas tão extensas”.

Mas a que falhas se refere a Iyalorisa? Vamos enumerar algumas destas pseudo-falhas e vácuos supostamente deixados por Verger.
Ela se refere a uma “receita” (Oògún Ìsòyè) oferecida por Verger em que ele:

“[...] esquece de explicar que este Oògún Ìsòyè só terá valor se for utilizado como complementação do Ebo Etutu indicado por Ifá para o consulente, a quem Òrúnmìlá enviou o Odú Ìrosùn Òfún. E tem que ser feito de forma completa, um pouco dificultada neste caso, em que se indica Ewé Arán (pleiocarpa pychantha – Apocynaceae), e não se ensina seu correspondente em português”

O primeiro equivoco da Iyalorisa já se faz quando registra “pleiocarpa pychantha”, quando o nome correto seria: pleiocarpa pycnantha, como fora registrado por Verger.
O segundo, e que vai ser a tônica das criticas de Epega, é a relação de nomes iorubas, científicos e a ausência de nomes “vulgares” ou “ populares” das folhas registradas pro Verger.
O segundo se dá quando Epega novamente tenta ligar a obra Ewé a uma Obra de Ifá, não sabe que, um babalaô pode perfeitamente preparar um “remédio” para alguém previamente doente (com o mal já reconhecido) sem ter que com isto fazer uma consulta oracular. 
É de estranhar alguém que carregue o nome Epega, que significa (segundo ela) "Temos folhas suficientes para encher umpalácio", não saiba que muitas das plantas usadas pelos babalaôs não se encontram na flora brasileira, e consequentemente não teram um nome popular ligado a elas, o que é o caso de Arán.
E mesmo que isto ocorra de forma diferente, que tais folha os tenham, do que adiantaria sabe-los quando um oogun é:

prerrogativa de Oluwo ou Bàbáláwo, que saberão utilizar o ofo corretamente, e então desencadear a magia que fará o oògún funcionar”.

Sandra Epega continua a lamentação referindo-se ao fato de que Verger não ter explicado em uma de suas “receitas”:

“O odidi atare kan, por “fruto inteiro” – Aframomum Malagueta (amomo) – não explica que ataare é tão somente o atare, pimenta da costa”.

Tratasse de outro elemento constitutivo do “trabalho”, que não faz parte da flora brasileira, e mesmo que saibamos da existência de um nome popular de Aframomum Malagueta ( pimenta da costa) com a colocação de Epega,  a primeira indagação que surge é:
Como usam este elemento nos ritos afro, uma vez que é sabido por todos que existe um oriki de louvor a este elemento, ou um ọfọ caso prefiram, onde o nome atare deve ser mencionado.
Também é valida a tradução literal de Verger, “fruto inteiro”, não raros são os casos em que se encontra a venda nos mercados “especializados” o fruto do atare aberto, e dividido em vidrinhos para serem adquiridos pelo consumidor. E mesmo que Verger o tivesse proclamado, não seria o suficiente para satisfazer a todos, pois Epega questiona e continua a tecer criticas ao babalaô (Fatumbi) que não oferece uma tabela onde apresente cada uma das 256 figuras sagradas de Ifá:

“Em seguida, nos ensina a queimar tudo e desenhar o Odú na preparação. Quantos brasileiros conhecem os riscos dos Odú de Ifá ? E, especificamente, do Odú Ìrosùn Òfún? Talvez estes riscos devessem constar de um glossário à parte, e a um Bàbáláwo transmitindo conhecimento”.

“Ah, que difícil é conciliar a tranquilizadora obrigação do segredo com os apetites de publicação do Instituto” Verger.

Quando a uma cristão é solicitado desenhar uma cruz, não se fara necessário que uma figura deste símbolo seja oferecida a ele como referencia.
Algumas das colocações da Iyalorixa são por demais  descabidas. Não há de se esperar que um babalaô ou aprendiz de Ifá não saibam  registrar as assinaturas de Ifá (“riscos”, como prefere Epega), e como já fora anotado por ela em seu texto anteriormente, oogun, é prerrogativa de babalaôs. Até mesmo a pergunta por ela feita pode perfeitamente ser invertida:

 “Quantos brasileiros conhecem Ifá através de Verger”?

 As próprias declarações de Fatumbi demonstram que nunca foi sua pretensão criar a partir de suas experiências um livro com o caráter de “vade mecum”.
Epega assim com Fernando destituem o livro Ewé, um, por considerar incompleto, outro por tratar-se de um “livro de receitas magicas”. De um lado, tratando-se de um acadêmico sem comprometimento com o sagrado, é de se esperar colocações do tipo.  O mesmo não se é aguardado de quem, além de sacerdote, tem uma relação intima com o Ifismo, por intermédio de seu babalaô, não saiba do processo que envolve os ensinamentos (conhecimentos) de Ifá.

Será que ao ensinar a seu discípulo a respeito de Eji Ogbe, um babalaô o fara de uma só vez, transmitindo tudo que cerca este odu? Quantos itan um sacerdote sabe a respeito deste odu, e isto se relacionarmos a um aprendiz e seu babalawo. Quando isto é levado a termos de comunidade de babalaôs, o numero de mitos sagrados será certamente quadriplicado, da mesma forma isto se dará com as “receitas” magicas e seu ebós etc. Certamente estes conhecimentos serão passados gradativamente, até mesmo porque é desta maneira que se faz possível ser assimilado pelo aprendiz. Se forçarmos uma criança a comer mais do que seu estomago é capaz de assimilar, provavelmente seu organismo o fara por para fora os excessos, de outra forma, estaremos dilatando seu estomago, transformando-o em um compulsivo alimentar, que, por mais que se de o necessário para sua idade, sua compulsividade pedira cada vez mais, não sabendo distinguir o saber do compreender.

“As pessoas dizem isto porque ele pensa que conhecimento é algo que você pode comprar, ou apenas adquirir em um dia. Como você não ensinaria alguém que está pronto para aprender? Mas seu estudante deve primeiro de tudo ter a humildade e a moldura da mente de um estudante que está pronto para seguir o mestre em qualquer que seja o tempo que leve o trabalho, paciência, e outros recursos, para aprender pouco a pouco”. Wande Abimbola.


“Orunmila diz que isso deve ser feito pouco a pouco
Eu digo que é pouco a pouco que devemos comer a cabeça do rato
E pouco a pouco devemos comer a cabeça do peixe... “(Ogbe Meji)

 “Ori diz que pensou muito sobre sua vida e está cansado.
Ogum respondeu dizendo que já sabia deste problema. Ogum falou de novo com sabedoria, através de metáforas. Disse:
 
- Aquele para quem você se esforça para transmitir sabedoria e não chega a ser sábio (não aprende) é como uma arvore que não responde.
- Aquele para quem você se esforça para transmitir conhecimento e não chega a ter conhecimento é como uma palmeira na floresta.
- Aquele cuja sensibilidade você estimula e não chega a ser sensível é como uma arvore na qual você se esbarra.
- Aquele a quem você indica o caminho e não reconhece o caminho é como uma arvore a quem prestasse um favor.

Ogum diz ao Ori:

- Já te dei sabedoria. Agora, procure mais sabedoria e junte à que já te dei.
Já te dei conhecimentos. Agora junte mais conhecimento e junte ao que já te dei.

Ogum foi embora dizendo:

- Quando a gente recebe sabedoria de um sábio de acrescentar a ela a nossa própria      sabedoria.
                Quando a gente recebe sabedoria , orienta.
O que detém sabedoria é chamado sábio. O que conhece as coisas é chamado de conhecedor. O que detém sensibilidade é chamado sensível”.

O que acabamos de transcrever, é extrato de um ensinamento contido em Ofunkanran, enfatizando que apenas o esforço do mestre não é o suficiente, por si só, para desenvolver o discípulo: sabedoria, conhecimento e sensibilidade só podem ser desenvolvidos com o concurso simultâneo de ambos. Ogum esclarece a respeito das responsabilidades  do mestre e do aprendiz: o mestre ministra ensinamentos porem compete ao discípulo prosseguir, por esforços próprios, na busca de mais ensinamentos (o itan pode ser encontrado em sua integra no trabalho se Sikiru Salami 1999).

Para não nos alongarmos ainda mais nos questionamentos de Epega em relação a Obre de Veger, Ewé, apresentaremos mais duas das reclamatórias da Iyalorisa, das quais uma revela a fragilidade de suas argumentações, assim como a fragrante desatenção com que leu a publicação de Verger. 

“E notamos também outras plantas com traduções e denominações falhas. Nas páginas 74 e 82, o fruto de aììdam (TetrapleuraTetraptera – Leguminosae Mimoisoideae) não tem nome brasileiro. Mas é tão-somente a fava de aridam, conhecidíssima no candomblé e mesmo na umbanda”.

O que não notou Epega, e esquivou-se de fazer constar em seu trabalho, são dois pontos bastante reveladores nestas “falhas” de Verger. Até poderiam ser, caso não tivesse Verger feito constar no capitulo “ILUSTRAÇÕES” não somente a fava (fruto) mencionada por Epega, mas também a semente, o caule, folíolo, e as folhas do Aridan (pág. 550) Disse que” uma imagem fala mais do que mil palavras” (1).  Além do que, na pagina 531 de sua obra, Verger registra o nome ÀRÌDAN para o ARIDAM de Sandra Epega, não imaginava Fatumbi que, um N no lugar de M , causaria tamanha indignação (2). O mesmo Ocorreu com Orogbo (Gaarcínia Kola Heckel Gutiferae) que Epega gostaria que Veger tivesse grifado Orobô.
Na tentativa de colocar o trabalho de Veger em xeque, ela passa para o campo das estatísticas, e faz um  levantamento para mostra quanto falho e carente de dados estava o livro Ewé.

“Na parte de receitas de uso medicinal, que vai da página 100 até a página 269, temos 219 receitas de oògún, enviadas pelos mais variados Odú Ifá. Fizemos um levantamento de quantas destas “receitas” estão completas, e dentre 219 achamos somente 12 com os nomes brasileiros das plantas. E, mesmo assim, é importante conhecer o “jargão” utilizado. Senão vejamos: Receita no 20 (p. 117) – “Receita para boa saúde”: Folha de òdúndún (Kalanchoe Crenata – Crassulaceae) – folha-da-costa (que na página 685 pode também ser conhecida por seu Eru, a folha-da-fortuna (milagre-de são Joaquim), mas não é citada como saião, mais fácil de identificar que a folha-da-costa, nome usado somente nos candomblés. (Então por que não identificar o jabuti-membeca também com o nome ariri, de uso tão-somente nos candomblés?);

 Na visão de Epega, só podem ser consideradas “completas” a receitas cujos nomes “brasileiro das folhas” sejam apresentados. Em momento algum se questionou a iyalorixa se Verger se propunha a oferecer tal informação? Parece que passou despercebido por Epega, que SAIÃO não é òdúndún, e sim Àbámodá ou Erú òdúndún (Bryophyllum Pinnatum) que na pagina 641 Verger relaciona ao nome popular de SAIÃO. Verger já tinha mencionado estes dois nomes já na pagina 31 de seu livro:

“ODundun é o nome dado à KALANCHOE CRENATA, Crassulaceae (folha-da-costa)...] A abamoda ou BRYOPHYLLUM PINNATUM, Cressulaceae (milagre-de-são-joaquim) é também conhecida como erú òdúndún, escrevo-de-odundum. Verger.

O fato é que Verger na pág. 17, como já mostramos, tinha um único objetivo com esta obra, que era o dividir com o leitor as informações colhidas durante anos, e o principal, a descoberta do “verbo atuante”. Independentemente da capacidade ou não de absorverem as informações inestimáveis nele contido.

“Descobri a existência do verbo atuante no nome das plantas e nos ofò foi para mim semelhante Eureka de Arquimedes. O presente livro é um extrato do que meus mestres e confrades babalaôs tiveram a boa vontade de me ensinar durante os numerosos anos em que vivi na África. Verger”.


Por fim, e para reforçar que realmente incomodava a iyalorixá era o fato de não ser possível fazer uso das receitas de Verger, pela falta dos nomes vulgares das plantas, o que não permitiria reconhece-las, e para as quais Verger registrou todos os nomes iorubas com seus devidos ofò. Também voltou a reclamar a ausência dos signos de Ifá (seus desenhos), embora Verger desse os nomes de todos os odu relacionados a cada receita. As “reclamações” de Epega eram na verdade eco do pensamento daqueles cujo valor de uma obra só será reconhecido, aplaudido e abraçado se essa fornecer todos os dados considerados necessários para que as informações transformem-se em “fundamentos”, assim, podendo sair das paginas para as praticas:

“Se é para ser lido [ queria dizer usado] e muito apreciado pelos sacerdotes [pais e mães-de-santo], por que não acrescentar o essencial, como os riscos dos Odú Ifá mencionados, a denominação menos rígida das folhas, como o ariri (usual nos candomblés), o atare, o bejerekun, o orí, e tantas outras? Seria interessante também citar alguns autores e títulos, dentro especificamente da botânica, que pudessem nos ajudar a localizar folhas citadas somente por seu nome Yorùbá e científico”. Epega 1996.

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Por T'ogun Aroleifa.